Navegando no Facebook leio a pergunta de uma amiga: “Existe amor em tempos de Tinder?” Isso me fez pensar sobre a questão dos sentimentos em nossa sociedade, como estão sendo tratados os sentimentos? Como estamos lidando com o sentir? Como lidamos com as dores e os afetos?
Como resposta inicial a
questão: “Existe, assim como temos um aumento da dificuldade de construir
relações, assumir o que sentimos e criar laços... Não que falt[e] amor, nos
falta coragem para assumir que amamos.” Vamos fazer uma análise em dois blocos,
a primeira focara a nossa dificuldade em criar laços, a segunda no nosso medo
das relações.
Não sei se você já reparou,
mas o mundo está ultimamente em uma velocidade frenética, tudo está muito rápido,
somos bombardeados a todo o momento por milhares de informações, a noticia
envelhece na velocidade do click do mouse, junto com isso a tecnologia se
renova muito mais rápido que a lei de Moore, a novidade fica obsoleta em poucos
dias. Além da obsolescência, necessária para manter o “doce mercado”
funcionando, somos instigados constantemente a trocar o que temos – e o que
somos -, seja o vestuário, o computador, ou celular[1].
Não tem nada mais chocante que você ver alguém mechando em um celular que não
está apto a ter todos os app’s do
mundo dentro dele, principalmente os de mensagem e de “pegação”.
Esta instigação constante a
troca das mercadorias cria em nós um asco pelo velho, uma desejo que rejeita
tudo o que for antigo, passado, que tenha mais de duas semanas. Estamos sempre
à busca do novo, da nova sensação do momento, “bem-aventurado o ser atualizado”
está no evangelho do mundo “pós-moderno”.
Você deve estar pensando, o
que o mercado tem a ver com a questão dos nossos laços afetivos, simples, tudo,
ou quase tudo[2]. O
mercado é um construtor de subjetividade, vivemos em uma sociedade capitalista
que produz subjetividades capitalista e fascista.[3]
Não irei aprofundar na questão, tem alguns livros na referência que podem
ajudar, mas em resumo é o seguinte, a velha do Marx funciona que é uma beleza,
o modo como organizamos as relações sociais, que dentro da nossa sociedade se
da pela de dois modos, consumidor/mercado, empregador/empregado, influência o
modo como às pessoas se comportam, isso exagerando para ser didático.
Simples, olha como era o
mercado nos anos 1950, tudo durava, um carro era para a vida toda, assim como o
casamento, a casa, a profissão, o mercado vendia o que durava, hoje o mercado
vende o que é descartável. O modo como nos relacionamos é encarando o outro
como um ser descartável, uma mercadoria, algo para ter, usar e depois esquecer
que um dia esteve junto.
Do mesmo modo que não criamos
vínculos com o celular, pois ele deve ser trocado o mais depressa possível por
um modelo mais novo, não criamos laços sentimentais com os outros, pois as
pessoas devem ser trocadas o mais rápido possível. Cruel? Exagerado? Será que
estou sendo caótico em minha análise? Pode até ser, mas pare um minuto e pense
nos seus relacionamentos, é fácil confiar? Criar vinculo? Entender o outro? Ou
você elimina a pessoa no primeiro sinal de que não vai dar certo?
Vamos ser sinceros, com tantas
opções por ai, para que ficar perdendo tempo com alguém que não está dando
certo? Ou então, para que ter um relacionamento sério, vamos nos negar de
experimentar o mundo para criar vínculos? Temos tempo para isso?
Estou muito longe para falar
de monogamia, romantismo idílico, ou qualquer outra coisa que lembre as
princesas da Disney, longe de mim ser defensor da moral e dos bons costumes.
Mas uma coisa é fato, muitos de nós não conseguimos ficar com alguém tempo
suficiente para dizer que ama a pessoa. Isso por puro medo, pois ao escolhermos
está pessoa, geralmente, temos que dizer não a todas as outras possibilidades,
e quem quer fechar os caminhos dos mais variados tipos de satisfação, para
ficar com apenas com um?
E na “escolha” dessa pessoa
passam por nós diversos pensamentos, muitos em um egoísmo profundo do “eu”,
será que eu serei feliz? Será que eu serei satisfeito? Será que eu não vou me
machucar? O “nós” está fora de moda, tirando alguns poucos românticos por ai,
as relações são de função unilateral, o “eu” é o centro dela, o outro que me de
orgasmo.
Isso se deve a própria
sociedade que fala o tempo todo para nós que temos que buscar a nossa
identidade, nosso sucesso, nosso paraíso na terra, o nosso bem estar, nossa
satisfação, etc...
Esquecemos o que é o
coletivo, vivemos na sociedade dos indivíduos, esse não como a menor parcela do
social, mas como um ser fora do social, esquecendo que o ser humano é um ser
social, forma-se, cria-se e constitui sentido para vida no meio social.
Perdendo o contato com o social, seja o próximo ou o distante, estamos
deslocados dos laços, se temos que buscar o melhor para o individuo, não nos permitimos
o contato com o outro, nos isolamos, não permitimos ser afetados pelas
experiências, pois experimentar é colocar a certeza da satisfação em risco.
Outro elemento da sociedade
atual é a busca pelo anestésico que vai nos tirar toda a dor, buscamos algo que
tire de nós a capacidade de sentir, pois sentir incorre em ter dor muitas
vezes, de chorar, de ter desespero, de perder total e completamente a
estabilidade. Somos infantis de mais para lidar com nosso choro e com a
percepção da nossa incompletude, somo crianças e não compreendemos como o fato
de ser afetado nos molda, modifica e amadurece, queremos sempre a alegria
demonstrada na propaganda de margarina, a família perfeita, ou na do
desodorante e cerveja, o prazer sem fim (para os homens, pois a mulher é sempre
o objeto a ser possuído), a alegria da propaganda de maquiagem, ou da agencia
de viajem.
A tristeza é proibida em
nossa sociedade. Todos os tristes serão tachado de depressivos, medicados e
tratados, pois como não ser feliz na sociedade livre onde tudo se pode ter e
consumir?
Deste modo entramos nos dois
elementos que impedem de criar laços e de viver o amor, pois a duração dos
laços são proibidos, a renovação é ordem, junto disso a tristeza não é
permitida, então como amar, se amar é correr o risco de não ser correspondido
ou de um dia deixar de ser amado, ficar triste e chorar, vivamos somente a
alegria dos amores rápidos e descartáveis, que o Tinder e seus iguais nos
oferecem.
O amor existe, está ai, para
quem tiver a coragem de assumir o risco da experiência, de aceitar criar laços
de longa duração, de estabelecer contatos e de sentir, sem medo de que a dor
seja um dos resultados da experiência da vida.
[1] Zygmunt Bauman, Capitalismo parasitário, Zahar Editora
_______________, Cegueira Moral, Zahar Editora
[2] Antonio Gramsci, Americanismo e fordismo, Hedra
[3]Félix Guatarri e Suely Rolnik, Micro Política: Cartografia do desejo
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