quinta-feira, 23 de abril de 2015

Carta à comunidade UFSCar referente às eleições do DCE



Mandala, coletivo de diversidade sexual e livre orientação de gênero, vem por meio deste, divulgar à comunidade da UFSCar nosso posicionamento frente ao processo eleitoral do Diretório Central dxs Estudantes (DCE).
O processo democrático é uma construção histórica, conquistado com muita luta.  A UFSCar tem um passado de esforço por esse processo, isso fica claro pelo modo como são escolhidos a reitoria e as chefias de centro, departamento e curso. Esperamos que a democracia seja reforçada nessas eleições e que a comunidade UFSCar construa, junto à gestão do DCE, uma universidade pública, gratuita e de qualidade, livre de todos os tipos de preconceito e discriminação.
O Coletivo Mandala não apoiará nenhuma chapa candidata ao DCE, uma vez que dentro do nosso coletivo temos membros e apoiadores de mais de uma chapa, e que visamos a liberdade democrática de todos os integrantes. Assim, o coletivo optou por não sair em apoio a nenhum dos participantes do pleito. Todavia, cobramos de todas as chapas concorrentes o compromisso com a comunidade LGBT, apoiando suas pautas e lutando pelo fim do machismo, do racismo e da LGBTfobia dentro e fora da universidade.
Repudiamos toda e qualquer manifestação de transfobia que tenha ocorrido durante esse processo eleitoral, assim como qualquer outro ato de preconceito que ainda possa ocorrer. Nesse sentido, devido às denúncias feitas,  indicamos o NÃO VOTO na chapa Renovação, que tem se mostrado transfóbica e contra a liberdade LGBT. Outro fator determinante para esta decisão é que o Mandala acredita que o DCE deve ser multicampi, deste modo, não podemos apoiar uma chapa que não tenha um representante de Sorocaba, ainda mais sendo nós um coletivo sorocabano.
Como pauta de luta, a qual pedimos o apoio de todas as chapas, temos as seguintes revindicações:

1. Assistência estudantil LGBT: muitos jovens ao chegar na universidade e encontrar um espaço com maior abertura, ou por estar com mais maturidade e consciência do que sentem, resolvem assumir sua sexualidade e/ou identidade de gênero para a família, alguns desses jovens acabam sendo expulsos de casa, abandonados pela família e ficam desamparados para continuar os estudos. Sendo assim, se faz necessário que a universidade tenha um programa de assistência a LGBTs que se encontram nessa situação, garantindo moradia e alimentação a fim de reduzir a marginalização dessas pessoas cuja orientação sexual e/ou de gênero sofre ainda discriminação pela sociedade, condenando essas pessoas a situações de injustiça e opressão;

2. Implementação da normativa que permita a utilização dos banheiros por pessoas trans e não-binárias: uma das coisas mais simples da vida é a utilização dos sanitários, mas isso pode se tornar uma experiência horrível para pessoas trans ou não-binárias. Todo o desconforto é sempre proveniente da mentalidade transfóbica e discriminatória que não reconhece nem legitima as identidades trans e não-binárias. Para evitar violência e discriminação, essas pessoas devem ter garantido o seu direito de usar o sanitário que lhe deixar mais confortável e segura. A implementação de uma normativa que garanta essa liberdade de utilização dos sanitários é um passo adiante no processo de aceitação social dessas pessoas e sua identidade;

3. Apoio do DCE às atividades do Mandala e demais coletivos LGBT da Universidade: o DCE deve afirmar seu compromisso com todxs xs estudantes a partir de uma postura de apoio à diversidade sexual e de gênero, portanto deve encorajar e auxiliar de todas as formas possíveis os grupos e coletivos que se organizam para esse fim, demonstrando o apoio às nossas causas que buscam o bem-estar social e o fim das (LGBT)-fobias;

4. Campanha de prevenção DST/AIDS: O número de pessoas que vivem com HIV/AIDS tem crescido nos últimos anos, principalmente entre os jovens, independente da orientação sexual. A falta de informação e conscientização sobre os meios de transmissão das doenças ainda é o principal fator para o aumento do número de casos. Deste modo se faz necessária a existência de uma campanha constante para a informar aos estudantes, juntamente com a distribuição de preservativos masculinos e femininos.

5. Combate ao preconceito contra pessoas que vivem com HIV/AIDS: campanhas de prevenção não bastam. Vivemos em sociedade e com pessoas que levam suas vidas adiante mesmo com HIV/AIDS. Essas pessoas não devem sofrer discriminação por conta da sua condição de saúde, já que esta não influencia em todos os fatores da sua vida. Pessoas que vivem com HIV/AIDS podem seguir suas vidas normalmente e o DCE deve ter compromisso com a disseminação de informações a respeito, numa luta que seja pelo fim da discriminação, sempre.

Sem mais,
Coletivo Mandala - UFSCar campus Sorocaba
23 de Abril de 2015


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Relato de número #3 "Pai".

   O coletivo Mandala continua a publicação de relatos de pessoas LGBTQIA sobre suas experiências de vida, com o objetivo de nos identificarmos nessa luta em comum.

   Caso queira compartilhar seu relato conosco temos um formulário de contato anonimo.

   Para hoje o relato intitulado "Pai". Boa leitura :)

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" Pai,

Então, como iniciar algo que não sei como começar e não sei como irei terminar, deixarei que minha mente e palavras se façam vivas. Partiremos do início, tenha paciência.
Quando criança, eu pouco me importava com as coisas a minha volta, só queria me divertir e aproveitar o momento, hoje eu não posso me dar a esse luxo. Lembro-me de poucas coisas dessa fase, de quando morávamos em São Paulo, de quando morávamos no Jardim Pacaembu com a vovó, quando fomos morar no São Guilherme e eu não queria que a vovó dormisse na casa dela, mas comigo e com a mamãe. Lembro-me das festas anuais de meu aniversário e das do Doh. Recordo-me da família reunida, de todos juntos e felizes, mesmo que não fosse tudo como gostaríamos, estávamos ali juntos. Tenho nuances do vovô arremessando seu chinelo contra mim, de suas dificuldades em se locomover e nossas idas ao hipermercado Extra. Ficávamos no pula-pula e outros brinquedos lá fora enquanto vocês faziam as compras, o vovô ia de cadeira de rodas elétrica.
Agora me veio um fato específico, quando me perdi e tive que pedir ao locutor do Extra que chamasse vocês para me localizar. Ah como eu era bobinho e inocente. Neste exato momento ouço Celine Dion – My Heart Will Go On, sei que você gosta muito de cantá-la no karaokê.
Observação: faz três dias que estou pensando em escrever esta carta, já estava decidido, mas buscando dentro de mim como, o que e o porquê de escrevê-la. 
Minha infância foi muito feliz, divertida e incrível, até você e a mamãe se separarem. Na época eu achei a melhor coisa, não estava mais sustentável as brigas e discussões, mas hoje vejo e consigo mensurar os efeitos da separação entre vocês, de como tudo teria sido bem diferente, enfim... 
Lembro-me bem do senhor dizer: “Filho, papai nunca deixará de ser seu papai, ele só irá trocar de casa”. Enquanto eu chorava aos prantos e não conseguia entender muito bem. Voltaremos nesse assunto depois. 
Você se mudou, foi morar com sua irmã, eu, mamãe e Doh continuamos a morar na mesma casa no Jd. São Guilherme, a casa estava a venda. Mantínhamos um relacionamento paternal efetivo e próximo, nos vimos com frequência, saímos sempre, nos divertíamos tudo junto ao Doh. Você nos dizia que nos amava, que sempre estaria conosco e que as coisas iriam melhorar. 
Eu estudava, adorava estudar, desde lá já amava estudar. Ler, ir para a escola, ver meus amigos e nessa fase já sofria com bullying por ter trejeitos homossexuais, mas eu nem sabia o que era isso, e eu tinha o quê? 7-9 anos, sim eu já apresentava comportamentos que para época era taxada de homossexual. 
Bem, eu não ligava muito para isso, mas sofria de algum modo, me sentia ridicularizado, mas acuado ao mesmo tempo, não sabia o que fazer e como fazer para acabar com aquilo. Fui me calando e consentindo e vivendo com aquilo como se fosse normal. Hoje noto que não tinha mesmo amizades masculinas, sempre fui rodeado de meninas, amigas, e isso para mim era normal, porque não seria? Elas me faziam bem e conversávamos sobre tudo. Sim, eu não sentia vontade de beijá-las, mas sim de cuidar delas, me preocupava com elas, porque eram as únicas que não me xingavam e me faziam aquele tipo de “brincadeira”. Pularemos essa parte, mas digo que foi nessa fase que eu me descobri gay, bicha ou como o senhor preferir. Não, eu não sabia o aquilo me traria, como eu seria, o porquê daquilo, não sabia como lidar com a informação, eu a simplesmente tinha dentro de mim, como algo que nasceu comigo.  Agora escuto Time After Time – Cindy Lauper.
Compraram a casa, a bisa veio a falecer, a sua tia estava desesperada para vender a casa e Deus nos abençoou com esse teto que hoje cobre minha cabeça, pois sabemos que não seria nada fácil encontrar outra casa com a grana na qual mamãe possuía. Morar um pouco mais adentro da zona norte não era de todo ruim, mas sofri com a mudança: rua nova, sem meus amigos e a terrível ideia de ter que mudar de escola. Vocês, refiro-me a mamãe também, escolheram por não me trocar de escola e decidiram pagar uma van, o que não deu muito certo. Até hoje procuro pela Erica nas muitas vans da cidade, a motorista da van, eu adorava ela. E foi muito bom para eu não ter saído da escola de onde eu estudava. --- Uma escola assim, que educa e ensina (cantando)... A como eu amo aquela escola!
2007 se inicia, eu ainda não completei 11 anos. Bem, não há outra opção, terei que estudar na escola do bairro. O bullying se torna mais agressivo, frequente e danoso a mim. Eu utilizo de minhas possibilidades, para me esquivar um pouco de toda a maldade vinda de todos, começo a “namorar” uma menina chamada Bruna. Meu primeiro beijo. Era minha melhor amiga e me serviu de fachada, acho que ela sabia.
Na quinta série eu briguei duas vezes com um único menino, por motivos dele me chamar de bicha, gay, boiola, bambi, marica. Eu, só queria estudar e aprender, ver meus novos amigos e jogar basquete. Fazia basquete pela escola na época, mas não deu muito certo, magro eu, não dava. 
2008 não havia prospecções de melhora, minhas férias acabavam e eu já amargava a mesmice de ser alvo de toda e possível zoeira. Mas a escola mesmo assim me era agradável, eu tinha professores legais, inteligentes que me cativavam e não me fizeram desacreditar na educação, ao mesmo tempo em que, eu via o que a educação poderia me trazer no futuro. Nesse ano comecei a sonhar em entrar na ETEC e a cursar algum idioma no Centro de Estudos de Línguas. Nesse mesmo ano, eu tive uma professora que até hoje é minha amiga, que me achava o garanhão e aquilo me fazia bem, ela entrava no meu sonho de querer enganar as pessoas e me fazia acreditar nele.
A única briga que tive neste ano foi com o David. Naquele fatídico dia estávamos com aula vaga, estávamos brincando de tacar bolinha de papel um no outro, cada um com seu grupo de amigos próximos, desde que o David quis tomar um espaço no qual não pertencia e começou a tacar papéis em mim. Eu pedi a ele que parecesse, mas ele disse que estava de graça porque era gay; sempre a mesma história. Sei que entre suas palavras e as lenhas colocadas por muitos, eu fui tirar satisfação com ele e o machuquei bastante, só parei, pois o Robert, meu parceiro de vôlei, mais forte que eu me segurou. É, já havia começado a jogar voleibol pela escola, Flávia sua linda. Voltando a briga, eu tirei sangue de sua boca e nariz, machuquei sua costa na lousa e fomos parar na diretoria. Eu como bom aluno não sofri nada, apenas chorei e expliquei o que havia acontecido, estava muito nervoso. Ao sair da sala do diretor, uma professora eventual da escola, que reside até hoje na rua da sua irmã, parou-me e perguntou-me porque eu estava a chorar daquele jeito e eu não sabendo o que falar disse que as pessoas não paravam de me incomodar. Ela segurou uma de minhas mãos, não me conhecia muito, ademais deu ser um conhecido aluno pelo voleibol e desempenho e disse mais ou menos assim:
“Menino, Giovane as pessoas sempre tentaram te derrubar, te colocar para baixo e fazer você chorar. Eles têm inveja de você, por tudo que você é e querem te magoar, entre outras coisas e continuou, mas cabe a você dar um basta, parar de chorar por eles, seja mais você, você é inteligente, joga vôlei, é bonito, estudioso. Pare com isso, ignore. Não ligue e siga seu caminho, será melhor para você. Ah Santa “Efigênia”, você mudou minha vida e eu nem sabia. Daquele dia em diante, eu nunca mais briguei e não me recordo de discutir, bater boca, xingar alguém por me sentir magoado, ainda mais por ser gay. Eu comecei a ver que não valia a pena. Mas não seria o fim de tudo.
Eu jogava voleibol muito bem, em equipe ou em dupla com o Robert, todos queriam ganhar de nós, éramos famosos na escola e nos jogos escolares, além disso eu sempre era destaque do bimestre por minha sala, subia ao palco para receber os agradecimentos da escola pelo desempenho em quadra e na pista, pelo atletismo. Ganhei uma bola de vôlei por ter tirado a segunda melhor nota da escola numa prova interna. Flávia foi minha professora de educação física da sexta série, ela que me incentivou a jogar vôlei, me ensinou a jogá-lo e me jogava para frente por meio dele, mesmo sem saber. Foi ela quem me colocou no atletismo e fui chamado para correr pela cidade, mas não deu certo naquele momento, estudava de tarde e o treino era de tarde. No ano seguinte estava eu lá para iniciar meus treinos depois de novamente ter competido pela escola e ser sido chamado. Arthur me modelou e Miguel me aperfeiçoou. Até hoje sinto falta do vento correndo na minha cara com a corrida, a euforia, o medo, a adrenalina, a vontade de ganhar. Ainda sinto falta de toda aquela atmosfera, meu técnico era meu mentor, um homem não inteligente, mas sábio, que me fez crescer mentalmente e acreditar na vida. Fiz amizades e consegui desenvolver meu corpo, até hoje tenho vantagens por ter feito atletismo. Lá era o único lugar no qual eu tinha amigos, colegas e um professor, mas diferentemente da escola ninguém me chamava de gay ou coisa do tipo, eu amava aquilo. Mas não deu para continuar. 
No decorrer de minha estadia na escola do bairro e no atletismo, você, meu pai, ainda estava presente, mas mudado. Já não tínhamos aquela relação tão afetiva, não conversávamos tanto, você quase não sabia de minha vida, eu não sabia como contar sobre ela e via você distante, estávamos nos afastando, eu com meus interesses de adolescente e você com seus de adulto. Eu tinha escola, atletismo e casa, casa essa que não me dava apoio moral nem psicológico para continuar, mamãe não ia às reuniões da escola tão pouco você. Mamãe não se importava com meus treinos, até recriminava-os uma hora ou outra, queria comida na mesa, dinheiro, estava em falta, eu tinha 13 anos, queria estudar, treinar e descobrir quem eu era. Você pediu demissão do trabalho, abriu sua empresa, ela não fornecia todo o dinheiro que seu emprego, as coisas começaram a piorar, a falta de dinheiro se tornava cada vez mais aguçada e frequente, as coisas iam piorando e piorando, eu continuava a querer: estudar, treinar e me descobrir.  Até que tudo cedeu, a empresa faliu, mamãe engravidou, madrasta engravidou, o Doh trabalhava em sua empresa e não era obrigação dele também me sustentar ou me dar o que comer, mas o fazia. Eu tinha quem me ajudasse, bastava para vocês ficarem mais tranquilo, primo/segundo pai e a vovô estavam ali para me dar internet para meus trabalhos, dinheiro para meus passes de ônibus - já estava no primeiro ano do médio, para meus passeios, calçados e roupas. Mas todos contra mim por eu não trabalhar, ser revoltado com você. Mas eu só queria estudar, treinar e me descobrir. Me foi roubado. 
Eu larguei o treino e no dia seguinte enchi a cara na primeira baladinha que fui, acabei por beijar o primeiro menino de minha vida e por chupá-lo na rua. Eu estava louco para tirar todas as amarras que me tinham, mas eu não podia, não tinha coragem. As perguntas de sempre: “Deus não me amará mais? Meu irmão sairá de casa por mim? Meu pai não vai me amar mais? Minha família terá nojo de mim?”. E outras de questionamento: “Deus, por quê? Porque eu? Eu não escolhi isso? Tira isso de mim? Por favor, me ajuda? Eu não quero sofrer?”. 
Nessa fase meu primo/segundo pai  era meu braço, minhas pernas, minha mente, tudo era o ele. Primo/segundo pai compra isso, faz isso, preciso desabafar sobre isso. E ele estava sempre lá, chorava comigo, tentava me acalmar e entendia o meu sofrimento, queria sofre-lo por mim, queria faze-lo cessá-lo, mas não podia. Quando ele não estava eu chorava escondido, abafado, não queria que soubessem. Eu não sabia o que fazer! Mas continuava a acreditar que a melhor coisa era me matar.
Quantas vezes eu não pensei em tirar minha vida, contava ao meu primo/segundo pai e ele de toda forma tentava e argumentava sobre o por quê de não fazer isso. Eu mesmo sem coragem, fazia das palavras deles o aval para não me... Você papai, me colocou muita dor, sofrimento, mágoa, rancor e medo dentro do coração, eu não sabia por que e tentava entender suas palavras: “Prefiro ter um filho morto a gay”; “Deus criou o homem para a mulher”. “Eu prefiro ter um filho bandido, ladrão do que gay”. Eu estudava, era um dos melhores alunos, meus professores me admiravam e me davam como exemplo para a sala, eu fazia esportes, estudava outras línguas e isso não importava ao senhor, eu era gay. Ah como doía, como eu chorava, como eu sentia sua falta. 
Hoje, agora, de uns tempos para cá, eu consigo entender suas duras palavras. Na sua mente eu iria mudar pelo senhor e pelo seu modo de falar, de dar medo, mas eu não podia, não cabia a mim, como não cabe. Eu não escolhi sofrer, não escolhi ser tratado diferente, não escolhi ser xingado, não escolhi sofrer bullying, não escolhi ser escolhido, não escolhi ser taxado, não escolhi ser ridicularizado, não escolhi ser assim, eu só me sentia assim, era assim, me via assim e por quê? Nem eu mesmo sabia. 
Comecei a frequentar a igreja por que senti em meu coração que era necessário para que eu conseguisse a tão desejada mudança, minha igreja não me julgava, não me tratava diferente, me amava por que sou filho de Deus. Motivava-me a participar mais e mais das coisas Dele e por Ele, e eu ia, fazia tudo que me era possível. Com o tempo as coisas, como meu primo/segundo pai sofreu antecipadamente, me faria sofrer. Eu não conseguia a transformação e isso me frustrava, eu tentava, eu me renegava, eu me escondia, me matava e fazia e estava lá, mas não mudava, meu coração, minha mente e meu corpo fugiam do controle as vezes e eu queria outra vida. Porém eu pensava: e minha família? E a sociedade?, Não, não posso. Eu chorava, eu sofria, eu gritava, eu pensava em me matar como antes, até que eu comecei a me afastar da igreja e as coisas começaram a piorar, por que fiquei em cima do muro. Não suportei e me afastei de vez, depois de muito sofrimento, muitas lágrimas e decidi não ir mais. Mas eu ainda não sabia o que queria, só queria meus pensamentos, minha solidão interna. 
Começa 2014, eu acabará de voltar de Joinville, de ver meus familiares maternos que não via há 13 anos, voltei em esplendor e do nada, perdi minha virgindade, com um bailarino, com um homem. 
Eu continuava a sofrer por você, pela família, pelos meus amigos, por todos, menos por mim. Começa a florescer em minha mente a ideia de que eu não podia continuar daquele jeito, eu não aguentaria por muito tempo, eu precisava ser eu, eu precisava me conhecer de verdade, experimentar um mundo diferente, eu sonhava com a faculdade longe de casa para ver se era o problema e deu certo. Ah!!!
Sai de casa com 17 anos para fazer faculdade, que orgulho de mim, disposto a enfrentar tudo, a me fazer novo. Antes de ir conto-lhe que falei a todos da família que era gay, mamãe chorou e disse que sempre soube e que me amava do mesmo jeito, os outros não veem ao caso, mas não tinha coragem de contar ao senhor naquela hora. 
Sua mãe, vovó, já sabia fazia alguns meses, me pegou chorando em sua casa, em sua cama de forma incessante e descontrolada, começou a chorar comigo e não parava de me perguntar por que eu chorava  e pedia para eu parar de chorar, eu ainda chorando e soluçando, disse: “Vó, eu sou gay”. Ela me abraçou, disse que me amava e que já sabia e me contou coisas que nunca havia imaginado. Eu chorava por que acabará de ver um filme que tratava da relação entre um pai e um filho, eu só queria tê-la, a minha com a sua já não existia, já havíamos de tal forma nos separados, já havíamos deixado um ao outro, já tínhamos brigado e discutido algumas vezes, eu queria entender por que tudo isso havia acontecido, eu sabia, mas não me dava por satisfeito, eu queria tê-lo, mas não podia, me fazia mal, a distância era melhorar, a memória não me satisfazia, mas era necessária. Tukinha, nunca mais, filho, nunca mais, vindo de você não.
Você me levou a Uberlândia, ajudou-me com os papéis da faculdade e me deu dinheiro pelo tempo que estive lá, foi umas das únicas coisas que fez por mim em muitos anos e a última. 
Lá comecei a me conhecer, a me fazer João Guedes Silva. Por anos havia vivido como fantoche, como personagem de um filme que durou 18 anos. Boyhood sou eu. Foram 6 deliciosos e sofridos meses em Minas, eu conheci pessoas interessantes, locais legais e me fiz. Consegui assumir a todos e a tudo quem eu era, até mesmo a você, meu maior pesadelo. Descobri meu primeiro amor no qual continua a ser meu grande amor. 
De lá você tinha notícias de mim, mas pouco falava comigo por que namorava e não tinha estômago para ver fotos minhas com ele. Dizia coisas que eu acabava por ficar sabendo e que me magoavam, que continuavam a doer em mim. Como: “Quanto mais longe ele estiver de mim melhor”; “Queria eu poder doar meu sangue que ama buceta a ele”, entre outras. 
Aquilo foi me fazendo ter nojo de você, te odiar, eu já não precisava do seu amor, do seu carinho, do seu dinheiro, havia voltado, eu já tinha alguém para me dar amor, me dar carinho e não me julgar, meu namorado. Tudo foi se tornando cada vez melhor, sempre com muita luta e sofrimento. 
Pai, César, eu não lembrava quem era, nem quem um dia foi, só quando falavam de ti, mas quando falavam me doía, eu ainda sofria, mas por quê? 
Até que tudo muda, se transforma, sai do lugar. Chego do trabalho e minha mãe diz que irá se mudar para Curitiba em poucos dias, que tenho que arrumar um lugar para morar, que ela alugará a casa, que isso e aquilo. Meu chão caiu, uma fenda imensa e sem fim se abre a minha frente. Não sei o que fazer, como fazer, eu chorava, eu sofria, mas ainda tinha alguém para ficar do meu lado, meu namorado, que decorrente de tudo o que sucedeu teve que voltar a sua casa e o meu primo/segundo pai que me salvou com R$800,00. 
Hoje me encontro sozinho na maioria do tempo, converso com meu namorado pela internet durante todo o dia, falo com o meu primo/segundo pai também, que sempre vem me visitar, me trazer o que comer e me ajudar com o dia a dia. 
Lembra que disse que voltaríamos no assunto: “Você nunca deixaria de ser meu pai”. Então chegou a hora. Você disse isso quando se separou da mamãe e disse novamente quando em abril eu falei a você que era gay e realmente não tem como você deixar de ser meu pai, mesmo que eu queira e eu não quero. No momento que no prazer de ter gozado na vagina de minha mãe nos foi selado o que teremos para sempre, o laço Pai e Filho. Pode soar feio, mais é como disse. 
Eu queria poder dizer que as coisas estão todas em seu devido lugar, mas não estão. Você como eu e toda a família sabe que não, pelo menos entre nós. Que seja eu o primeiro a dar um passo. Digo a você porque depois de ter ido à casa da sua irmã Dulce, na qual não via a algum tempo e, ouvi-la falar sobre uma história parecida com a nossa, mas que não pode ser mudada, decidi engolir meu orgulho, matar-me novamente, deixar de lado minha luxúria, afastar alguns sentimentos, esconder algumas opiniões e filosofias e princípios, pelo que temos em comum, pelo que temos de semelhante. 
Somos descendentes, temperamentais, nervosos, donos de nossa razão, cabeças duras, chatos, mandões, birrentos, inteligentes, sonhadores, sem falar nas semelhanças físicas. Resolvi deixar de lado as diferenças e dizer que TE AMO e que você continua a ser meu PAPAI e eu seu FILHO, seu TUKINHA. Se antes você tinha uma desculpa para não me visitar hoje não tem mais, moro sozinho, venha quando quiser, não precisar trazer nada, o pão e o café posso lhe oferecer assim como um abraço e uma boa conversa. Não estranhe eu estar diferente, já faz quase um ano que não nos vemos e nos falamos. Será que ainda reconheço sua voz? E seus traços? Acho que você sou eu envelhecido e um pouco barrigudo!
Algumas coisas não precisam ser ditas quando vier, nem perguntadas, não vamos tocar em assuntos delicados no começo, nem falar daquilo que não precisa ser dito, vamos apenas nos olhar e ver que somos, SERES HUMANOS. Que temos sentimentos, que sofremos igualmente por sermos, SERES HUMANOS. Eu mesmo querendo muito que um dia tudo isso fique distante não sei se será possível, que um dia possamos todos nós esquecer e seguir em frente sem mais lágrimas. 
Deixemos nossos corações em pedaços pelo que um causou ao outro para fazer tudo novo. Nossa relação se faz nova a partir de agora, totalmente. O que espero de você é que me perdoe por ser quem sou, que consiga me amar mesmo eu sendo quem sou, SEU FILHO. 
Deixemos ao destino e as coisas da vida os motivos pelo que tudo ocorreu, somos todos culpados pelo que aconteceu, sem culpas obrigatórias e pesos por qualquer coisa que seja. 
PS: Eu não chorei em nenhum momento por que não tenho por que chorar o que aconteceu aconteceu. O que me importa é daqui para frente, quero esquecer o passado e tentar viver contigo como com todos que amo daqui para frente. Eu disse tudo que disse para tentar aproximar você da minha vida nos anos que não esteve presente.  
    

Daquele que sente muita saudade e muito por tudo que aconteceu.
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