domingo, 21 de junho de 2015

Lésbicas e a questão da (in)visibilidade


Uma das perguntas mais recorrentes que tenho que responder sobre as minhas pesquisas, trabalho com gênero, sexualidade e identidade voltada para o público lésbico, o que me motiva a pesquisar lésbicas? A resposta é ao mesmo tempo simples e complicada, por um incomodo do vazio. Quando comecei a fazer levantamento de dados para montar um projeto de pesquisa no ano de 2011, ainda sem intenção de realizar a pesquisa em si, mas para uma disciplina, algo me chamou muito minha atenção, existiam várias pesquisas debatendo sexualidade, todas voltadas para o público masculino, mesmo quando no título tinha o “LGBT”, o enfoque era nos homens gays.
Isso em um primeiro momento me causou só uma estranheza, quando começo a participar dos grupos de estudos feministas em 2012, percebo que a invisibilidade das lésbicas vai para muito além da questão da sexualidade, elas perpassa uma questão de gênero, são invisibilizadas por que a sociedade não olha para a questão da sexualidade da mulher e quando olha é numa perspectiva patologizante. Ao perceber isso sofri um incomodo incontrolável, que me levou então a iniciar o trabalho pesquisando a identidade lésbica.
Porém, se as mulheres lésbicas fossem invisíveis só na acadêmia, acho que meu incomodo não seria tão grande, mas ao olhar o histórico do movimento LGBT, as mulheres lésbicas são invisibilizadas o tempo todo. No coletivo Somos, um dos primeiros grupos de militância pelos direitos LGBTs, as mulheres demoraram muito para ingressar, quando entraram sofreram com o machismo e preconceito existente dentro do coletivo, criando então um grupo militante lésbico. Dentro do movimento feminista, por muitos anos, as mulheres lésbicas também foram invisibilizadas, havendo vários relatos em que as outras militantes diziam: “podem participar, mas não falem de sua sexualidade”.
Quando debatemos sexualidade, as mulheres não são vistas como seres sexuais, que sentem desejo, prazer e tem orgasmos, pois esses “defeitos” são das “putas”, “vadias” e “promiscuas” seres que não são mulheres, muito menos humanos, mas meros objetos para os prazeres masculinos. Deste modo, discutir as relações afetivas e sexuais entre dois seres que não tem sexualidade, é desnecessário, pois se tiver sexualidade, são seres impuros que não devem ter espaço dentro do meio social.
Se faz necessário neste momento ter muito orgulho de ser lésbica, de pôr a cara no sol, de enfrentar as adversidades, pois o movimento LGBT e o feminista devem muito a elas, que mobilizaram as primeiras paradas LGBTs, que cuidaram dos homossexuais durante a epidemia AIDS, que lutaram pela liberdade sexual das mulheres, que ao colocar sua sexualidade em pauta, subverteram os valores sociais e colaboraram na luta pela liberdade sexual como um todo. Uma das frases que mais encontrei em minha pesquisa em blogs voltado para o público lésbico é que não tem nada mais revolucionário que o amor lésbico, pois tem a potência de deixar para as esferas de poder patriarcais que não precisa dela para existir, tenho que admitir, amor lésbico é revolucionário, revolucionou até meu modo de ver e estar no mundo.
Obrigado a todas as lésbicas e vamos juntos na luta!
D.C.R.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O Coletivo e o Armário


Muitas pessoas pensam que a saída do armário é um ato individual, uma pessoa que tem uma sexualidade que não é a heterossexual, resolve tornar público algo que pertence ao âmbito privado. Acreditasse muitas vezes que a saída do armário é uma escolha, ou algo que deve ser tratado e pensado única e exclusivamente pelo indivíduo. A questão que a saída do armário não é só exteriorizar, ou tornar público, algo que é do privado, mas reafirma as questões que envolvem a vida privada também são questões políticas, ou seja, tangem a vida pública, perpassando as relações coletivas que mantemos.
Sair do armário então não é algo precisa ser solitário, ou seja, sem apoio de outras pessoas que passaram ou ainda passam pela situação de se assumir dentro de determinados segmentos sociais. A saída solitária pode ser muito dolorosa, tendo em vista que muitas vezes faltam exemplos de representatividade para os não-heterossexuais, o que vemos constantemente na mídia são papéis estereotipados, que não representam de fato a realidade e a diversidade existente.
Partindo desse ponto, o fato de estar dentro de um coletivo, seja o Mandala, ou junto com um grupo de amigos que lhe entenda e lhe auxilie no processo é sempre positivo, pois estando em contato com outras pessoas, percebe-se a diversidade existente entre os homossexuais, bissexuais e transsexuais, o que permite um melhor entendimento do que sentimos e passamos e um maior reconhecimento de uma “identidade” que nos ajudará a dialogar com nossos desejos.
Além da diversidade representativa, estar com um grupo de pessoas que te ouça, que compartilha a mesma experiência e vivência que passou por situações tão complicadas ou às vezes mais complicadas que a nossa, nos dá um redimensionamento do processo de autoaceitação e afirmação de nossos desejos e expressões de gênero. Um filósofo que gosto muito, Spinoza, vai falar que a ação no coletivo aumenta nossa vontade de viver, nos fortalece e nos permite ir além do que conseguiríamos sozinhos, pois o ser humano é um ser social que se constrói, modifica e potencializa pelos encontros que tem com o outro. Sendo assim, o coletivo serve como base para aumentar a nossa potência existencial e nos dá força e apoio no processo de se aceitar e assumir.

Pensando que a saída do armário é um processo social, implicado no coletivo, nas relações que construímos e nas bases afetivas que criamos, o Coletivo Mandala tem como base de ação a união e a potência pelo afeto, ou seja, na criação de um campo de convívio no qual possamos trocar experiências, fortalecer os vínculos. Demonstrando assim, que ser homo/bissexual, transsexual, assexual, não binário, queer, ou qualquer “coisa” que não se encaixe nos padrões estabelecidos, não é motivo de vergonha ou medo, mas sim de orgulho, pois simbolizamos a diversidade do ser humano, as potencialidades da existência, as infinitas formas dos afetos e desejos, ser “estranho”, não é uma ofensa, mas sim um orgulho, pois não nos dobramos diante das tradições impostas, mas assumimos nossa estranheza coletiva para abraçarmos a felicidade de uma existência plena.