sexta-feira, 28 de novembro de 2014

#Relato 1 - Gênero

O Coletivo Mandala passará a publicar uma série de relatos de pessoas LGBTTQ, serão histórias sobre seus questionamentos de gênero, sexualidade, o processo de assumir-se ou não e questões relacionadas ao preconceito. 
Para hoje o Relato de número 1. 

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    Gênero 

    Por muito tempo fingi namorar um homem. A arte da encenação não é fácil e desde pequena aprendi que as meias verdades duram mais tempo que as mentiras completas. Assim, mudava apenas o que era necessário e isso quase sempre era a flexão do gênero.
Minha namorada passou a ser meu namorado, as horas no telefone eram com ele, o livro era dele, o perfume era dele, e se ele não vinha me visitar era porque morávamos muito longe. Quase tudo verdade. Era incrível como o câmbio de uma única letra quase sempre mudava toda a história.
O imaginário que as pessoas construíram do meu “namorado fantasma” foi sendo fomentada por longos três anos. Para algumas pessoas eu tinha coragem de chamar de canto para uma conversa em particular e confessar meu crime em amar mulheres. Cheguei em um momento que não sabia mais se o erro era a mentira do meu pseudo-homem ou efetivamente o meu relacionamento lésbico, nem em qual ordem deveria me confessar.
Em várias ocasiões eu me confundia. Não sabia (e ainda não faço a menor ideia) de como um homem se barbeia, tampouco entendo de pênis, cabeças e veias. Nas rodas de mulheres sempre dava um jeito de fugir quando o assunto era sexo, não saberia mentir sobre um possível tamanho de pinto. De fato, em um mundo rodeado de machismo no qual é quase proibido a mulher se descobrir, era no mínimo estranho meus conhecimentos sobre vaginas, clitóris e orgasmos femininos.
Com o passar do tempo aprendi a usar palavras que não expressassem gênero, a pessoa com quem namorava não tinha mais nome, era somente meu amor e meu bem. Era somente a pessoa. Me via falando frases sem sentido na tentativa de tirar o gênero. No lugar de falar: “Você está resfriada?” dizia “Você está doente?”; ou “Você está cansada?” para “Foi cansativo?”. Algumas vezes quando não conseguia pensar em modos neutros de utilizar a linguagem tentava falar o gênero de forma tão rápida que quem estivesse do meu lado não percebesse.
 Todo esse dilema moral existia porque era péssima em continuar com a mentira e isso aos poucos foi me afastando das pessoas. Com as amigas da época da escola com seus sorrisos e filhos eu já não fazia mais questão de manter tanto contato e na faculdade me aproximava cada vez mais de quem já sabia. Não me sentia bem ao mentir, ao tentar esconder algo tão bom pra mim. Cada vez que falava “meu namorado” era um soco que dava em mim mesma.
Lembro de uma vez ter tirado uma foto com um amigo para apresentar as pessoas que queriam porquê queriam ver o tal do meu namorado. Tirei a foto, mostrei a uma pessoa e nunca mais tive coragem de fazer isso. E para essa única pessoa que mostrei a tal da foto fiz questão de contar tempos depois.
Já tem dois anos que não preciso mentir sobre a pessoa com quem namoro, hoje o seu nome na agenda do meu celular é realmente o seu nome. No entanto os questionamentos sobre a linguística binária permanecem e até hoje é engraçado/embaraçoso quando alguém pergunta do meu namorado. 


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     E aí, se identificou? Compartilhe com a gente sua história.

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