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DESCOBERTA
Foi um processo complexo e acredito rico descobrir-me
gay. Desde criança (a partir de uns 5 anos) os outros meninos me chamavam muito
a atenção. Claro, desde essa idade não nomeava meu sentimento com a definição
“gay”, porém simplesmente sabia que algo de diferente acontecia comigo. Era curioso
como qualquer referência ou provocação de um colega ou membro familiar sobre
ter uma namorada me deixava profundamente irritado, mesmo que aos poucos
aqueles discursos me fizessem acreditar que eu teria a obrigação de ter uma no
futuro.
Comecei a dar nome a tudo o que sentia
durante a infância. Escutava as pessoas ao meu redor falando coisas como “viado”,”bicha”
e um dia resolvi perguntar a minha mãe(que possuía todas as respostas as
questões da vida até então) o que significavam essas palavras. Ela foi certeira
“é homem que gosta de homem, filho” -falando com um pouco de receio- pensei comigo
em silêncio “este sou eu!”. Aí começaram uma série de questionamentos, pois
este “sou eu!” veio acompanhado de uma carga de vergonha e culpa... na época
frequentava a Igreja Católica e lá apesar de aprender o tal do amor ao próximo
percebi que esse próximo só valia para aqueles que pensavam, sentiam e viam o
mundo da maneira ali ensinada (pelo menos foi essa a interpretação que tive
naquele momento)...infelizmente não foi um lugar acolhedor, principalmente se
tratando de uma comunidade de um pequeno bairro em formação até então.
Minha
perspectiva começou a mudar numa noite assistindo ao canal MTV (isso com
uns 10 anos) em algum daqueles programas nos moldes em que as pessoas ligavam e
pediam uma música. Alguém pediu “viðrar vel til loftárása” do grupo Islandês
Sigur Rós < https://www.youtube.com/watch?v=akYuy2FMQk4
> .O clipe mostra a relação entre dois meninos de uns 10 ou 11 anos (a mesma idade com que vi o clipe), com direito a um beijo (spoiler do clipe
rs)! Lembro-me do coração disparar e da satisfação que foi ver-se representado
de alguma forma; foi a primeira vez que percebi que não era o único que passava
pela situação, fato me deixou extremamente feliz. Como nunca iria conseguir
lembrar o nome da música (de um grupo da Islândia!!!) numa época que não havia
youtube, nem google, a única coisa que guardei foram alguns flashs no clipe na
minha mente, foi tão marcante que nunca esqueci. Fui redescobrir o clipe somente
muitos anos depois.
Comecei
a perceber como os meios de comunicação e até aquele momento a TV tiveram na
minha educação o papel de contato com outras realidades a que você vive (assim
como para todas as pessoas que possuem uma televisão imagino), mesmo vivendo a
realidade de uma cidade era possível ser provocado com outras visões de mundo(o que mostrou a questão da importância da visibilidade LBGT na mídia).
Acho que gostaria de agradecer imensamente aquele anônimo que pediu o tal clipe
naquela noite.
Desde
então a coisa foi ficando mais clara a passos lentos, passando pelo contato com
músicas, filmes (arte!) e principalmente as primeiras paixões na adolescência
que foram confusas e avassaladoras, porém foram graças a elas que ser gay foi
ficando cada vez mais evidente na minha vida. Foi somente aos 18 anos que comecei
a concretizar meus desejos.
A
Universidade representou e representa uma nova fase em minha vida enquanto
LGBT, foi nela que tive a oportunidade de começar a estudar questões de gênero
e sexualidade, o que em minha opinião permitiu um processo de auto aceitação
(processo que continua ao longo do tempo) com muito mais qualidade e força. E
além do mais permitiu sentir que era possível viver sua própria sexualidade de
maneira mais orgulhosa e sem vergonha (perdão pelo trocadilho rs).
Ser
gay apesar de toda a dificuldade que é viver numa sociedade machista, homofóbica,
etc... Direcionou-me a estudos ( que me “abriram a cabeça” em todos os âmbitos
da vida) e a militância na Universidade através do nosso coletivo Mandala. Portanto,
diria que essa passagem lenta da vergonha ao orgulho me deu muito mais do que
uma satisfação pessoal. Ela possibilitou a construção de ações e a perceber de outra
maneira seu lugar e papel no mundo. Ser gay me direcionou a própria vida.
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