sábado, 10 de janeiro de 2015

Relato #2- Descoberta.

       O Coletivo MANDALA continua a publicação de relatos de pessoas LGBT sobre suas vivências e experiências. Para hoje o relato de número #2.

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                                                               DESCOBERTA

      Foi um processo complexo e acredito rico descobrir-me gay. Desde criança (a partir de uns 5 anos) os outros meninos me chamavam muito a atenção. Claro, desde essa idade não nomeava meu sentimento com a definição “gay”, porém simplesmente sabia que algo de diferente acontecia comigo. Era curioso como qualquer referência ou provocação de um colega ou membro familiar sobre ter uma namorada me deixava profundamente irritado, mesmo que aos poucos aqueles discursos me fizessem acreditar que eu teria a obrigação de ter uma no futuro.
     Comecei a dar nome a tudo o que sentia durante a infância. Escutava as pessoas ao meu redor falando coisas como “viado”,”bicha” e um dia resolvi perguntar a minha mãe(que possuía todas as respostas as questões da vida até então) o que significavam essas palavras. Ela foi certeira “é homem que gosta de homem, filho” -falando com um pouco de receio- pensei comigo em silêncio “este sou eu!”. Aí começaram uma série de questionamentos, pois este “sou eu!” veio acompanhado de uma carga de vergonha e culpa... na época frequentava a Igreja Católica e lá apesar de aprender o tal do amor ao próximo percebi que esse próximo só valia para aqueles que pensavam, sentiam e viam o mundo da maneira ali ensinada (pelo menos foi essa a interpretação que tive naquele momento)...infelizmente não foi um lugar acolhedor, principalmente se tratando de uma comunidade de um pequeno bairro em formação até então.  
      Minha perspectiva começou a mudar numa noite assistindo ao canal MTV (isso com uns 10 anos) em algum daqueles programas nos moldes em que as pessoas ligavam e pediam uma música. Alguém pediu “viðrar vel til loftárása” do grupo Islandês Sigur Rós < https://www.youtube.com/watch?v=akYuy2FMQk4 > .O clipe mostra a relação entre dois meninos de uns 10 ou 11 anos (a mesma idade com que vi o clipe), com direito a um beijo (spoiler do clipe rs)! Lembro-me do coração disparar e da satisfação que foi ver-se representado de alguma forma; foi a primeira vez que percebi que não era o único que passava pela situação, fato me deixou extremamente feliz. Como nunca iria conseguir lembrar o nome da música (de um grupo da Islândia!!!) numa época que não havia youtube, nem google, a única coisa que guardei foram alguns flashs no clipe na minha mente, foi tão marcante que nunca esqueci. Fui redescobrir o clipe somente muitos anos depois.
      Comecei a perceber como os meios de comunicação e até aquele momento a TV tiveram na minha educação o papel de contato com outras realidades a que você vive (assim como para todas as pessoas que possuem uma televisão imagino), mesmo vivendo a realidade de uma cidade era possível ser provocado com outras visões de mundo(o que mostrou a questão da importância da visibilidade  LBGT na mídia). Acho que gostaria de agradecer imensamente aquele anônimo que pediu o tal clipe naquela noite.   
      Desde então a coisa foi ficando mais clara a passos lentos, passando pelo contato com músicas, filmes (arte!) e principalmente as primeiras paixões na adolescência que foram confusas e avassaladoras, porém foram graças a elas que ser gay foi ficando cada vez mais evidente na minha vida. Foi somente aos 18 anos que comecei a concretizar meus desejos.
       A Universidade representou e representa uma nova fase em minha vida enquanto LGBT, foi nela que tive a oportunidade de começar a estudar questões de gênero e sexualidade, o que em minha opinião permitiu um processo de auto aceitação (processo que continua ao longo do tempo) com muito mais qualidade e força. E além do mais permitiu sentir que era possível viver sua própria sexualidade de maneira mais orgulhosa e sem vergonha (perdão pelo trocadilho rs).
     Ser gay apesar de toda a dificuldade que é viver numa sociedade machista, homofóbica, etc... Direcionou-me a estudos ( que me “abriram a cabeça” em todos os âmbitos da vida) e a militância na Universidade através do nosso coletivo Mandala. Portanto, diria que essa passagem lenta da vergonha ao orgulho me deu muito mais do que uma satisfação pessoal. Ela possibilitou a construção de ações e a perceber de outra maneira seu lugar e papel no mundo. Ser gay me direcionou a própria vida.   










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