O coletivo Mandala continua a publicação de relatos de pessoas LGBTQIA sobre suas experiências de vida, com o objetivo de nos identificarmos nessa luta em comum.
Caso queira compartilhar seu relato conosco temos um formulário de contato anonimo.
Para hoje o relato intitulado "Pai". Boa leitura :)
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" Pai,
Então, como iniciar algo que
não sei como começar e não sei como irei terminar, deixarei que minha mente e
palavras se façam vivas. Partiremos do início, tenha paciência.
Quando criança, eu pouco me
importava com as coisas a minha volta, só queria me divertir e aproveitar o
momento, hoje eu não posso me dar a esse luxo. Lembro-me de poucas coisas dessa
fase, de quando morávamos em São Paulo, de quando morávamos no Jardim Pacaembu
com a vovó, quando fomos morar no São Guilherme e eu não queria que a vovó
dormisse na casa dela, mas comigo e com a mamãe. Lembro-me das festas anuais de
meu aniversário e das do Doh. Recordo-me da família reunida, de todos juntos e
felizes, mesmo que não fosse tudo como gostaríamos, estávamos ali juntos. Tenho
nuances do vovô arremessando seu chinelo contra mim, de suas dificuldades em se
locomover e nossas idas ao hipermercado Extra. Ficávamos no pula-pula e outros
brinquedos lá fora enquanto vocês faziam as compras, o vovô ia de cadeira de
rodas elétrica.
Agora me veio um fato
específico, quando me perdi e tive que pedir ao locutor do Extra que chamasse
vocês para me localizar. Ah como eu era bobinho e inocente. Neste exato momento
ouço Celine Dion – My Heart Will Go On, sei que você gosta muito de cantá-la no
karaokê.
Observação: faz três dias
que estou pensando em escrever esta carta, já estava decidido, mas buscando
dentro de mim como, o que e o porquê de escrevê-la.
Minha infância foi muito
feliz, divertida e incrível, até você e a mamãe se separarem. Na época eu achei
a melhor coisa, não estava mais sustentável as brigas e discussões, mas hoje
vejo e consigo mensurar os efeitos da separação entre vocês, de como tudo teria
sido bem diferente, enfim...
Lembro-me bem do senhor
dizer: “Filho, papai nunca deixará de ser seu papai, ele só irá trocar de
casa”. Enquanto eu chorava aos prantos e não conseguia entender muito bem. Voltaremos nesse assunto depois.
Você se mudou, foi morar com
sua irmã, eu, mamãe e Doh continuamos a morar na mesma casa no Jd. São
Guilherme, a casa estava a venda. Mantínhamos um relacionamento paternal
efetivo e próximo, nos vimos com frequência, saímos sempre, nos divertíamos
tudo junto ao Doh. Você nos dizia que nos amava, que sempre estaria conosco e
que as coisas iriam melhorar.
Eu estudava, adorava estudar,
desde lá já amava estudar. Ler, ir para a escola, ver meus amigos e nessa fase
já sofria com bullying por ter trejeitos homossexuais, mas eu nem sabia o que
era isso, e eu tinha o quê? 7-9 anos, sim eu já apresentava comportamentos que
para época era taxada de homossexual.
Bem, eu não ligava muito
para isso, mas sofria de algum modo, me sentia ridicularizado, mas acuado ao
mesmo tempo, não sabia o que fazer e como fazer para acabar com aquilo. Fui me
calando e consentindo e vivendo com aquilo como se fosse normal. Hoje noto que
não tinha mesmo amizades masculinas, sempre fui rodeado de meninas, amigas, e
isso para mim era normal, porque não seria? Elas me faziam bem e conversávamos
sobre tudo. Sim, eu não sentia vontade de beijá-las, mas sim de cuidar delas,
me preocupava com elas, porque eram as únicas que não me xingavam e me faziam
aquele tipo de “brincadeira”. Pularemos essa parte, mas digo que foi nessa fase
que eu me descobri gay, bicha ou como o senhor preferir. Não, eu não sabia o
aquilo me traria, como eu seria, o porquê daquilo, não sabia como lidar com a
informação, eu a simplesmente tinha dentro de mim, como algo que nasceu
comigo. Agora escuto Time After Time –
Cindy Lauper.
Compraram a casa, a bisa
veio a falecer, a sua tia estava desesperada para vender a casa e Deus nos
abençoou com esse teto que hoje cobre minha cabeça, pois sabemos que não seria
nada fácil encontrar outra casa com a grana na qual mamãe possuía. Morar um
pouco mais adentro da zona norte não era de todo ruim, mas sofri com a mudança:
rua nova, sem meus amigos e a terrível ideia de ter que mudar de escola. Vocês,
refiro-me a mamãe também, escolheram por não me trocar de escola e decidiram
pagar uma van, o que não deu muito certo. Até hoje procuro pela Erica nas
muitas vans da cidade, a motorista da van, eu adorava ela. E foi muito bom para
eu não ter saído da escola de onde eu estudava. --- Uma escola assim, que educa
e ensina (cantando)... A como eu amo aquela escola!
2007 se inicia, eu ainda não
completei 11 anos. Bem, não há outra opção, terei que estudar na escola do
bairro. O bullying se torna mais agressivo, frequente e danoso a mim. Eu
utilizo de minhas possibilidades, para me esquivar um pouco de toda a maldade
vinda de todos, começo a “namorar” uma menina chamada Bruna. Meu primeiro
beijo. Era minha melhor amiga e me serviu de fachada, acho que ela sabia.
Na quinta série eu briguei
duas vezes com um único menino, por motivos dele me chamar de bicha, gay,
boiola, bambi, marica. Eu, só queria estudar e aprender, ver meus novos amigos
e jogar basquete. Fazia basquete pela escola na época, mas não deu muito certo,
magro eu, não dava.
2008 não havia prospecções
de melhora, minhas férias acabavam e eu já amargava a mesmice de ser alvo de
toda e possível zoeira. Mas a escola mesmo assim me era agradável, eu tinha
professores legais, inteligentes que me cativavam e não me fizeram desacreditar
na educação, ao mesmo tempo em que, eu via o que a educação poderia me trazer
no futuro. Nesse ano comecei a sonhar em entrar na ETEC e a cursar algum idioma
no Centro de Estudos de Línguas. Nesse mesmo ano, eu tive uma professora que até
hoje é minha amiga, que me achava o garanhão e aquilo me fazia bem, ela entrava
no meu sonho de querer enganar as pessoas e me fazia acreditar nele.
A única briga que tive neste
ano foi com o David. Naquele fatídico dia estávamos com aula vaga, estávamos
brincando de tacar bolinha de papel um no outro, cada um com seu grupo de
amigos próximos, desde que o David quis tomar um espaço no qual não pertencia e
começou a tacar papéis em mim. Eu pedi a ele que parecesse, mas ele disse que
estava de graça porque era gay; sempre a mesma história. Sei que entre suas
palavras e as lenhas colocadas por muitos, eu fui tirar satisfação com ele e o
machuquei bastante, só parei, pois o Robert, meu parceiro de vôlei, mais forte
que eu me segurou. É, já havia começado a jogar voleibol pela escola, Flávia
sua linda. Voltando a briga, eu tirei sangue de sua boca e nariz, machuquei sua
costa na lousa e fomos parar na diretoria. Eu como bom aluno não sofri nada,
apenas chorei e expliquei o que havia acontecido, estava muito nervoso. Ao sair
da sala do diretor, uma professora eventual da escola, que reside até hoje na
rua da sua irmã, parou-me e perguntou-me porque eu estava a chorar daquele
jeito e eu não sabendo o que falar disse que as pessoas não paravam de me
incomodar. Ela segurou uma de minhas mãos, não me conhecia muito, ademais deu
ser um conhecido aluno pelo voleibol e desempenho e disse mais ou menos assim:
“Menino, Giovane as pessoas
sempre tentaram te derrubar, te colocar para baixo e fazer você chorar. Eles
têm inveja de você, por tudo que você é e querem te magoar, entre outras coisas
e continuou, mas cabe a você dar um basta, parar de chorar por eles, seja mais
você, você é inteligente, joga vôlei, é bonito, estudioso. Pare com isso,
ignore. Não ligue e siga seu caminho, será melhor para você. Ah Santa
“Efigênia”, você mudou minha vida e eu nem sabia. Daquele dia em diante, eu
nunca mais briguei e não me recordo de discutir, bater boca, xingar alguém por
me sentir magoado, ainda mais por ser gay. Eu comecei a ver que não valia a
pena. Mas não seria o fim de tudo.
Eu jogava voleibol muito
bem, em equipe ou em dupla com o Robert, todos queriam ganhar de nós, éramos
famosos na escola e nos jogos escolares, além disso eu sempre era destaque do
bimestre por minha sala, subia ao palco para receber os agradecimentos da
escola pelo desempenho em quadra e na pista, pelo atletismo. Ganhei uma bola de
vôlei por ter tirado a segunda melhor nota da escola numa prova interna. Flávia
foi minha professora de educação física da sexta série, ela que me incentivou a
jogar vôlei, me ensinou a jogá-lo e me jogava para frente por meio dele, mesmo
sem saber. Foi ela quem me colocou no atletismo e fui chamado para correr pela
cidade, mas não deu certo naquele momento, estudava de tarde e o treino era de
tarde. No ano seguinte estava eu lá para iniciar meus treinos depois de
novamente ter competido pela escola e ser sido chamado. Arthur me modelou e
Miguel me aperfeiçoou. Até hoje sinto falta do vento correndo na minha cara com
a corrida, a euforia, o medo, a adrenalina, a vontade de ganhar. Ainda sinto
falta de toda aquela atmosfera, meu técnico era meu mentor, um homem não
inteligente, mas sábio, que me fez crescer mentalmente e acreditar na vida. Fiz
amizades e consegui desenvolver meu corpo, até hoje tenho vantagens por ter
feito atletismo. Lá era o único lugar no qual eu tinha amigos, colegas e um
professor, mas diferentemente da escola ninguém me chamava de gay ou coisa do
tipo, eu amava aquilo. Mas não deu para continuar.
No decorrer de minha estadia
na escola do bairro e no atletismo, você, meu pai, ainda estava presente, mas
mudado. Já não tínhamos aquela relação tão afetiva, não conversávamos tanto,
você quase não sabia de minha vida, eu não sabia como contar sobre ela e via
você distante, estávamos nos afastando, eu com meus interesses de adolescente e
você com seus de adulto. Eu tinha escola, atletismo e casa, casa essa que não
me dava apoio moral nem psicológico para continuar, mamãe não ia às reuniões da
escola tão pouco você. Mamãe não se importava com meus treinos, até
recriminava-os uma hora ou outra, queria comida na mesa, dinheiro, estava em
falta, eu tinha 13 anos, queria estudar, treinar e descobrir quem eu era. Você
pediu demissão do trabalho, abriu sua empresa, ela não fornecia todo o dinheiro
que seu emprego, as coisas começaram a piorar, a falta de dinheiro se tornava
cada vez mais aguçada e frequente, as coisas iam piorando e piorando, eu
continuava a querer: estudar, treinar e me descobrir. Até que tudo cedeu, a empresa faliu, mamãe
engravidou, madrasta engravidou, o Doh trabalhava em sua empresa e não era
obrigação dele também me sustentar ou me dar o que comer, mas o fazia. Eu tinha
quem me ajudasse, bastava para vocês ficarem mais tranquilo, primo/segundo pai
e a vovô estavam ali para me dar internet para meus trabalhos, dinheiro para
meus passes de ônibus - já estava no primeiro ano do médio, para meus passeios,
calçados e roupas. Mas todos contra mim por eu não trabalhar, ser revoltado com
você. Mas eu só queria estudar, treinar e me descobrir. Me foi roubado.
Eu larguei o treino e no dia
seguinte enchi a cara na primeira baladinha que fui, acabei por beijar o
primeiro menino de minha vida e por chupá-lo na rua. Eu estava louco para tirar
todas as amarras que me tinham, mas eu não podia, não tinha coragem. As
perguntas de sempre: “Deus não me amará mais? Meu irmão sairá de casa por mim?
Meu pai não vai me amar mais? Minha família terá nojo de mim?”. E outras de
questionamento: “Deus, por quê? Porque eu? Eu não escolhi isso? Tira isso de
mim? Por favor, me ajuda? Eu não quero sofrer?”.
Nessa fase meu primo/segundo
pai era meu braço, minhas pernas, minha
mente, tudo era o ele. Primo/segundo pai compra isso, faz isso, preciso desabafar
sobre isso. E ele estava sempre lá, chorava comigo, tentava me acalmar e entendia
o meu sofrimento, queria sofre-lo por mim, queria faze-lo cessá-lo, mas não
podia. Quando ele não estava eu chorava escondido, abafado, não queria que
soubessem. Eu não sabia o que fazer! Mas continuava a acreditar que a melhor
coisa era me matar.
Quantas vezes eu não pensei
em tirar minha vida, contava ao meu primo/segundo pai e ele de toda forma
tentava e argumentava sobre o por quê de não fazer isso. Eu mesmo sem coragem,
fazia das palavras deles o aval para não me... Você papai, me colocou muita
dor, sofrimento, mágoa, rancor e medo dentro do coração, eu não sabia por que e
tentava entender suas palavras: “Prefiro ter um filho morto a gay”; “Deus criou
o homem para a mulher”. “Eu prefiro ter um filho bandido, ladrão do que gay”.
Eu estudava, era um dos melhores alunos, meus professores me admiravam e me
davam como exemplo para a sala, eu fazia esportes, estudava outras línguas e
isso não importava ao senhor, eu era gay. Ah como doía, como eu chorava, como
eu sentia sua falta.
Hoje, agora, de uns tempos
para cá, eu consigo entender suas duras palavras. Na sua mente eu iria mudar
pelo senhor e pelo seu modo de falar, de dar medo, mas eu não podia, não cabia
a mim, como não cabe. Eu não escolhi sofrer, não escolhi ser tratado diferente,
não escolhi ser xingado, não escolhi sofrer bullying, não escolhi ser
escolhido, não escolhi ser taxado, não escolhi ser ridicularizado, não escolhi
ser assim, eu só me sentia assim, era assim, me via assim e por quê? Nem eu
mesmo sabia.
Comecei a frequentar a
igreja por que senti em meu coração que era necessário para que eu conseguisse
a tão desejada mudança, minha igreja não me julgava, não me tratava diferente,
me amava por que sou filho de Deus. Motivava-me a participar mais e mais das
coisas Dele e por Ele, e eu ia, fazia tudo que me era possível. Com o tempo as
coisas, como meu primo/segundo pai sofreu antecipadamente, me faria sofrer. Eu
não conseguia a transformação e isso me frustrava, eu tentava, eu me renegava,
eu me escondia, me matava e fazia e estava lá, mas não mudava, meu coração,
minha mente e meu corpo fugiam do controle as vezes e eu queria outra vida.
Porém eu pensava: e minha família? E a sociedade?, Não, não posso. Eu chorava,
eu sofria, eu gritava, eu pensava em me matar como antes, até que eu comecei a
me afastar da igreja e as coisas começaram a piorar, por que fiquei em cima do
muro. Não suportei e me afastei de vez, depois de muito sofrimento, muitas
lágrimas e decidi não ir mais. Mas eu ainda não sabia o que queria, só queria
meus pensamentos, minha solidão interna.
Começa 2014, eu acabará de
voltar de Joinville, de ver meus familiares maternos que não via há 13 anos,
voltei em esplendor e do nada, perdi minha virgindade, com um bailarino, com um
homem.
Eu continuava a sofrer por
você, pela família, pelos meus amigos, por todos, menos por mim. Começa a
florescer em minha mente a ideia de que eu não podia continuar daquele jeito,
eu não aguentaria por muito tempo, eu precisava ser eu, eu precisava me
conhecer de verdade, experimentar um mundo diferente, eu sonhava com a
faculdade longe de casa para ver se era o problema e deu certo. Ah!!!
Sai de casa com 17 anos para
fazer faculdade, que orgulho de mim, disposto a enfrentar tudo, a me fazer
novo. Antes de ir conto-lhe que falei a todos da família que era gay, mamãe
chorou e disse que sempre soube e que me amava do mesmo jeito, os outros não
veem ao caso, mas não tinha coragem de contar ao senhor naquela hora.
Sua mãe, vovó, já sabia
fazia alguns meses, me pegou chorando em sua casa, em sua cama de forma
incessante e descontrolada, começou a chorar comigo e não parava de me
perguntar por que eu chorava e pedia
para eu parar de chorar, eu ainda chorando e soluçando, disse: “Vó, eu sou
gay”. Ela me abraçou, disse que me amava e que já sabia e me contou coisas que
nunca havia imaginado. Eu chorava por que acabará de ver um filme que tratava
da relação entre um pai e um filho, eu só queria tê-la, a minha com a sua já não
existia, já havíamos de tal forma nos separados, já havíamos deixado um ao
outro, já tínhamos brigado e discutido algumas vezes, eu queria entender por
que tudo isso havia acontecido, eu sabia, mas não me dava por satisfeito, eu
queria tê-lo, mas não podia, me fazia mal, a distância era melhorar, a memória
não me satisfazia, mas era necessária. Tukinha, nunca mais, filho, nunca mais,
vindo de você não.
Você me levou a Uberlândia,
ajudou-me com os papéis da faculdade e me deu dinheiro pelo tempo que estive
lá, foi umas das únicas coisas que fez por mim em muitos anos e a última.
Lá comecei a me conhecer, a
me fazer João Guedes Silva. Por anos havia vivido como fantoche, como
personagem de um filme que durou 18 anos. Boyhood sou eu. Foram 6 deliciosos e
sofridos meses em Minas, eu conheci pessoas interessantes, locais legais e me
fiz. Consegui assumir a todos e a tudo quem eu era, até mesmo a você, meu maior
pesadelo. Descobri meu primeiro amor no qual continua a ser meu grande
amor.
De lá você tinha notícias de
mim, mas pouco falava comigo por que namorava e não tinha estômago para ver
fotos minhas com ele. Dizia coisas que eu acabava por ficar sabendo e que me
magoavam, que continuavam a doer em mim. Como: “Quanto mais longe ele estiver
de mim melhor”; “Queria eu poder doar meu sangue que ama buceta a ele”, entre
outras.
Aquilo foi me fazendo ter
nojo de você, te odiar, eu já não precisava do seu amor, do seu carinho, do seu
dinheiro, havia voltado, eu já tinha alguém para me dar amor, me dar carinho e
não me julgar, meu namorado. Tudo foi se tornando cada vez melhor, sempre com
muita luta e sofrimento.
Pai, César, eu não lembrava
quem era, nem quem um dia foi, só quando falavam de ti, mas quando falavam me
doía, eu ainda sofria, mas por quê?
Até que tudo muda, se
transforma, sai do lugar. Chego do trabalho e minha mãe diz que irá se mudar
para Curitiba em poucos dias, que tenho que arrumar um lugar para morar, que
ela alugará a casa, que isso e aquilo. Meu chão caiu, uma fenda imensa e sem
fim se abre a minha frente. Não sei o que fazer, como fazer, eu chorava, eu
sofria, mas ainda tinha alguém para ficar do meu lado, meu namorado, que
decorrente de tudo o que sucedeu teve que voltar a sua casa e o meu
primo/segundo pai que me salvou com R$800,00.
Hoje me encontro sozinho na
maioria do tempo, converso com meu namorado pela internet durante todo o dia,
falo com o meu primo/segundo pai também, que sempre vem me visitar, me trazer o
que comer e me ajudar com o dia a dia.
Lembra que disse que
voltaríamos no assunto: “Você nunca
deixaria de ser meu pai”. Então chegou a hora. Você disse isso quando se
separou da mamãe e disse novamente quando em abril eu falei a você que era gay
e realmente não tem como você deixar de ser meu pai, mesmo que eu queira e eu
não quero. No momento que no prazer de ter gozado na vagina de minha mãe nos
foi selado o que teremos para sempre, o laço Pai e Filho. Pode soar feio, mais
é como disse.
Eu queria poder dizer que as
coisas estão todas em seu devido lugar, mas não estão. Você como eu e toda a
família sabe que não, pelo menos entre nós. Que seja eu o primeiro a dar um
passo. Digo a você porque depois de ter ido à casa da sua irmã Dulce, na qual
não via a algum tempo e, ouvi-la falar sobre uma história parecida com a nossa,
mas que não pode ser mudada, decidi engolir meu orgulho, matar-me novamente,
deixar de lado minha luxúria, afastar alguns sentimentos, esconder algumas
opiniões e filosofias e princípios, pelo que temos em comum, pelo que temos de
semelhante.
Somos descendentes,
temperamentais, nervosos, donos de nossa razão, cabeças duras, chatos, mandões,
birrentos, inteligentes, sonhadores, sem falar nas semelhanças físicas. Resolvi
deixar de lado as diferenças e dizer que TE AMO e que você continua a ser meu
PAPAI e eu seu FILHO, seu TUKINHA. Se antes você tinha uma desculpa para não me
visitar hoje não tem mais, moro sozinho, venha quando quiser, não precisar
trazer nada, o pão e o café posso lhe oferecer assim como um abraço e uma boa
conversa. Não estranhe eu estar diferente, já faz quase um ano que não nos vemos
e nos falamos. Será que ainda reconheço sua voz? E seus traços? Acho que você sou
eu envelhecido e um pouco barrigudo!
Algumas coisas não precisam
ser ditas quando vier, nem perguntadas, não vamos tocar em assuntos delicados
no começo, nem falar daquilo que não precisa ser dito, vamos apenas nos olhar e
ver que somos, SERES HUMANOS. Que temos sentimentos, que sofremos igualmente
por sermos, SERES HUMANOS. Eu mesmo querendo muito que um dia tudo isso fique
distante não sei se será possível, que um dia possamos todos nós esquecer e
seguir em frente sem mais lágrimas.
Deixemos nossos corações em
pedaços pelo que um causou ao outro para fazer tudo novo. Nossa relação se faz
nova a partir de agora, totalmente. O que espero de você é que me perdoe por
ser quem sou, que consiga me amar mesmo eu sendo quem sou, SEU FILHO.
Deixemos ao destino e as
coisas da vida os motivos pelo que tudo ocorreu, somos todos culpados pelo que
aconteceu, sem culpas obrigatórias e pesos por qualquer coisa que seja.
PS: Eu não chorei em nenhum
momento por que não tenho por que chorar o que aconteceu aconteceu. O que me
importa é daqui para frente, quero esquecer o passado e tentar viver contigo
como com todos que amo daqui para frente. Eu disse tudo que disse para tentar
aproximar você da minha vida nos anos que não esteve presente.
Daquele que sente
muita saudade e muito por tudo que aconteceu.
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